sábado, 19 de agosto de 2017

As incoerências do ajuste fiscal de Temer

Por Luis Nassif, no Jornal GGN:

Trabalho da Comissão de Representantes da STN (Secretaria do Tesouro Nacional) levanta as principais incoerências do pacote fiscal do governo. Saliente-se que partiu da própria STN a reação contra as estripulias do ex-Secretário Arno Agustin.

Mesmo assim, reflete a visão de uma parte da tecnocracia do Estado, aliás tecnicamente bastante boa.

O trabalho obviamente não contempla argumentos contrários.

Na atual crise de endividamento, por exemplo, a renegociação das dívidas de Estados e Municípios é essencial para impedir a paralisação total da sua operação. Da mesma maneira, os estragos das políticas econômicas sobre a economia, e a criação de um gigantesco endividamento circular, exige medidas enérgicas para romper o círculo de endividamento.

Pode-se argumentar, também, que, ao contrário das carreiras civis, a carreira militar não permite especializações para servir no setor privado.

O trabalho foge, além disso, da parte mais relevante do corte: aquela que afeta as políticas sociais.

São vários os argumentos. Relevante, no trabalho, é a crítica à maneira açodada com que o governo saiu cortando a torto e a direito, sem planejamento maior.

Coerência e incoerência

Um projeto fiscal coerente deveria contemplar os seguintes aspectos:
- Avaliar TODAS as despesas, inclusive as financeiras.

- Avaliar despesas de pessoal e previdenciárias.
- Avaliar as renúncias fiscais e tributação.
- Avaliar despesas com subsídios.

- Avaliar despesas com custeio.

No entanto, as propostas aprovadas e discutidas primam pela incoerência:
- Privilegia segmentos e setores.
- Não envolve todos os poderes.
- Foca nos ajustes de curto prazo, desajustando o equilíbrio de longo prazo.
- Não avaliar a qualidade do gasto.

O trabalho detalha, com exemplos, o significado dessa incoerência que leva a um desequilíbrio sustentado.

Incoerência 1 - ajuste fiscal cortando investimentos

Segundo estudos de Orair, premiado no XXI Prêmio do Tesouro Nacional, os multiplicadores fiscais devem ser levados em conta na definição dos ajustes. Especialmente aqueles ligados a investimentos, Pessoal e Benefícios Sociais.

Como explicar, então, que em momento de queda profunda da arrecadação, o PAC tenha sido praticamente eliminado?

Incoerência 2 - restringir a reforma da previdência para o RGPS (Regime Geral da Previdência Social) e o RPPS (Regime Próprio da Previdência Social) que inclui apenas servidores civis.

Segundo o trabalho, são mais de 674 mil servidores civis e cerca de 300 mil militares aposentados. Os civis contribuem com R$ 30,7 bilhões e recebem R$ 73,7 bilhões. Os militares contribuem com R$ 3,0 bilhões e recebem R$ 37 milhões. Segundo o trabalho, os civis passaram por duas reformas recentes, em 2003 e 2013 e, com a Funpresp (Fundo de Previdência do Servidor Público) já se tem uma solução de longo prazo.

Incoerência 3 - propor reforma da previdência rural e urbana e manter medidas que desonera produtores rurais.

O Refis-Rural (MP 793/2017) gerará perdas de pelo menos R$ 7,5 milhões. A desoneração da folha gerou prejuízos de R$ 94,5 bilhões nos últimos cinco anos. E o Executivo pretende que se gasta mais R$ 12,55 bilhões em 2018 apenas com essa rubrica.

Incoerência 4 - as liberações recordes de emendas parlamentares.

De janeiro a maio de 2017, liberaram-se R$ 102,5 milhões de emendas. De junho a agosto de 2016, R$ 860,1 milhões. De junho a 11 de agosto de 2017, no ato da compra de apoio parlamentar, as liberações atingiram R$ 4,3 bilhões.

Incoerência 5 - Refis e regras de repatriação com multas irrelevantes.

Houve descontos de até 99% sobre multas e juros, derrubando as previsões de arrecadação de R$ 13,3 bilhões para R$ 500 milhões. Além disso, a expectativa de novos parcelamentos influenciam negativamente a arrecadação tributária.

Incoerência 6 - renegociação de dívidas de Estados e Municípios sem contrapartidas.

A União deixará de receber R$ 37 bilhões até 2020 em decorrência da renegociação.

Incoerência 7 - as despesas com pessoal concentradas no Executivo.

Segundo o estudo, no Executivo o auxílio moradia se concentra no Ministério das Relações Exteriores e da Defesa. As propostas do governo deixam de fora o Judiciário e o Ministério Público da União.

Segundo o estudo, cada servidor do Executivo custa R$ 9.940 o ativo e R$ 7.620 o inativo, contra R$ 17.246 o ativo e R$ 22.245 o inativo do Judiciário.

Uma medida de reestruturação das carreiras de Estado, reduzindo o salário inicial e aumentando a quantidade de níveis de progressão, permitiria economia de R$ 18,6 bilhões em 5 anos. Os técnicos acusam o estudo de não definir as carreiras que seriam afetadas.

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