terça-feira, 27 de junho de 2017

Temer e o golpe do veneno

Por Márcia Lia, na revista Fórum:

O primeiro desafio no que diz respeito aos agrotóxicos é conseguirmos explicar às pessoas que eles se relacionam com uma imensa cadeia socioambiental. Afetam o meio ambiente, a agricultura, as relações sociais, a economia e a saúde pública. A política condescendente aos agroquímicos é parte de um jogo político que só beneficia meia dúzia de gigantes produtores enquanto criminaliza os movimentos sociais. O desmonte do Ministério do Desenvolvimento Agrário, junto à PEC 215 e o fortalecimento da bancada do ruralista deixam claro o que eles querem.

Com as políticas agrárias dos governos Lula e Dilma, a agricultura familiar começou a ganhar espaço. Assentamentos de todo o Brasil passaram a ter lugar na cadeira produtiva e comercial. E por causa da relação de respeito que os assentados e agricultores de comunidades rurais têm com a terra, essas produções são majoritariamente orgânicas porque as pessoas conhecem os efeitos negativos dos venenos. O Brasil foi capaz de superar a fome e a miséria graças a programas como o de alimentação escolar, usado como referência na ONU, bem como o Bolsa Família. Por meio desses programas, milhões de brasileiros passaram a ter alimentação saudável à mesa.

A possibilidade de flexibilizar ainda mais o uso de agrotóxicos é uma decisão política que tem por base a extinção de todos os programas de distribuição de terra outrora bem-sucedidos. O plano é devolver para a elite do Brasil tudo que ela precisou compartilhar com os menos favorecidos: das cadeiras nas universidades as terras griladas, roubadas. O intento do governo Temer e seus aliados é criar um órgão que estará nas mãos das indústrias para regular o assunto – o que seria impensável em qualquer democracia! Querem reduzir nossa possibilidade de fiscalizar os impactos negativos que agrotóxicos geram a saúde tirando ou aparelhando a Anvisa e o Ibama na jogada. E é estrutural entender porque nós somos tão preocupados com esses químicos.

Os transgênicos foram desenvolvidos porque os agrotóxicos eram tão agressivos que matavam as pestes, mas também a plantação. Portanto, a Monsanto (que patenteou o glifosato sob o nome de Roundup) passou a desenvolver sementes mais fortes para aguentar a quantidade de veneno. O que a população não sabia na época, entretanto, era da nocividade dos herbicidas e outros químicos, bem como o próprio transgênico, que na cadeia ambiental afeta outras sementes de forma irreversível. No Brasil, a maior parte da plantação de soja é transgênica e, portanto, leva altíssimas quantidades de agrotóxico (incluindo outros químicos ainda mais tóxicos do que o glifosato). Hoje a toxicidade destes químicos é conhecida. Países sérios proíbem seu uso, como o Canadá, onde a Monsanto respondeu criminalmente por tentar subornar ministros. Sim, meus amigos e minhas amigas: não são apenas as grandes construtoras que têm por hábito comprar políticos e a corrupção não é exclusividade tupinikim.
O Brasil é o maior consumidor de fertilizantes químicos e agrotóxicos do mundo. Os milhões de litros que são utilizados anualmente vão para onde? Para o solo e para a água, contaminando tudo por um longo e ainda indeterminado tempo. Vejam: 70% da água utilizada no mundo têm como destino a irrigação. Isso quer dizer que quando se usa agrotóxico ele vai parar nos rios e outras fontes de água que depois retorna à plantação para receber mais uma dose de químicos. É um ciclo perigoso de envenenamento de um elemento do qual tanto dependemos para viver.

A ONU não sabe quanto há de água poluída no mundo, mas prevê que 40% da população viva em área com problemas relativos à água nos próximos anos. O Brasil, que abriga 13% do total deste líquido no mundo, está fazendo de tudo para tornar a água cada vez mais tóxica. Você percebe que cada dia mais pessoas ficam com câncer, e cada vez mais jovens? Isso é comprovadamente relacionado aos 5,2l de agrotóxico que, segundo o Instituto Nacional do Câncer, os brasileiros consomem por ano. Em 2013, o Departamento de Águas da ONU afirmou, mais uma vez que os agrotóxicos são um grave problema de saúde pública, porque causam, além do câncer, problemas no sistema endócrino e hormonal de humanos e animais. Outras enfermidades como infertilidade, autismo, doenças autoimunes e problemas nos rins e fígado também estão relacionadas ao uso de agrotóxicos.

Aqui no estado de São Paulo nós não vamos dar trégua. Vamos continuar incentivando a agroecologia, a agricultura familiar e orgânica, e seguir dizendo ao estado que nós precisamos cuidar de nossa população. É mister defender a terra e o povo rural, os assentados e todos aqueles que vêm trabalhando há décadas por um modo de produção sustentável. Se não por empatia, por convencimento político, que seja pelo bom senso de entender que com tanto veneno nos grãos que exportamos e diante da tendência mundial de consumir orgânicos, logo não poderemos vender mais nada e as commodities serão seriamente afetadas. Mais.
Não da pra aceitar que nos envenenem dia a dia sem nada dizer, sem um levante. E não descansaremos desta luta que se faz tão necessária, especialmente agora, que tentam tirar cada grão de vida que há em nós.

* Márcia Lia é deputada estadual pelo PT de São Paulo.

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