segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Globo e Veja: derrotados da eleição

Reproduzo dois artigos de Marco Antonio Araujo, publicados no blog O provocador:

Globo: o altar do sacrifício perdeu

As Organizações Globo agiram como um partido de oposição durante as eleições que levaram Dilma Rousseff à presidência da República.

Preferiam continuar aliados ao candidato das elites, como sempre estiveram durante a ditadura militar e os governos Collor, Itamar e FHC. Mas perdeu, playboy.

O jornal O Globo virou um panfleto diário. Sem nenhum pudor, estampou um ódio incontido ao governo Lula e à sua candidata. Mas foi na bancada do Jornal Nacional que se ergueu o altar do sacrifício petista.

O padrão Globo de qualidade é fácil de entender. Consiste em tratar escândalos conforme a coloração partidária e os interesses da firma.

O caso Erenice Guerra mereceu do JN 35 sangrentos minutos de reportagem só na primeira semana de repercussão. Já a denúncia envolvendo o aloprado tucano Paulo Preto teve uma única reportagem, quase nada.

Em sua entrevista de dez minutos ao vivo no JN, Dilma Rousseff ficou infinitos 4 minutos e 40 segundos respondendo sobre aborto. Mais 3 minutos e 25 segundos falando sobre a onipresente Erenice.

Ao final, teve tempo para responder a mais uma perguntinha. José Serra pode discorrer levemente sobre nove questões. Isso, sim, é tratamento diferenciado.

Com a vitória de Dilma, vai ser constrangedor o olhar de William Bonner e Fátima Bernardes. Cúmplices que são, nem vão tocar no assunto de como espremeram e destrataram a presidente eleita.

E tanta gentileza e profissionalismo com o candidato da família Marinho. Em vão.

São pagos pra isso, têm filhos para sustentar. Ok. Podem levar essa derrota pra casa. E convidar Arnaldo Jabor e Merval Pereira para jantar. Haja estômago. Mas amigos são fundamentais na hora da derrota.

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Veja não forma mais opinião

Das 42 capas da revista em 2010, até as vésperas do segundo turno, dezoito continham ataques a Lula, Dilma e o PT. Quase metade da existência da Veja é dedicada a montar palanque contra o governo federal e espalhar pânico e ódio.

Ainda reclamam que não há liberdade de imprensa neste país. Terrorismo jornalístico: é isso que faz a semanal da família Civita.

É uma publicação que poderia ter a honestidade de se assumir como oráculo do que há de mais reacionário e perverso na direita deste país.

Mas tem essa mania feia de se travestir de revista de informação. Só se for distorcida, tendenciosa. Não fazem reportagens; fazem editoriais. Por isso é que não forma mais opinião; causa tédio. E desprezo.

E há os soldados da Editora Abril. Ou capangas, a ver. Os rancorosos Diogo Mainardi, Lauro Jardim, Reinaldo Azevedo e Augusto Nunes. Escribas a soldo que insinuam termos um presidente alcoólatra, menos interessante que um “vaso sanitário”.

E que chamam distribuição de renda de Esmola-Família. Logo eles, que devem fechar o vidro do carro quando veem um pobre.

Bem feito. Foram derrotados por essa gentinha que não assina Veja.

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Voto dos nordestinos e preconceito da elite

Por Altamiro Borges

A elite brasileira realmente é asquerosa. Ela esbanja preconceitos - de gênero, étnico e, principalmente, de classe. Uma camada que "se acha" pertencente à elite burguesa - a classe "mérdia", que come mortadela, mas arrota caviar - ainda esbanja burrice. Parece que nem sabe fazer conta de somar. É preguiçosa e tacanha.

A partir do histórico resultado das eleições de domingo, alguns fascistas recalcados passaram a usar a internet para atacar o "voto dos nordestinos". Através das redes sociais, em especial do twitter, os frustrados com a derrota do candidato da elite, o demotucano José Serra, eles destilam ódio de classe e pregam o separatismo.

"Mate um nordestino afogado"

Para os novos fascistinhas, a vitória de Dilma Rousseff foi "culpa dos nordestinos". O ataque é tão violento que resultou na criação da hashtag #nordestisto, que ganhou os Trending Topics do Twitter e ficou no topo da lista de assuntos mais comentados durante toda a manhã desta segunda-feira.

A expressão “nordestisto” parece ter origem na mensagem de um internauta paulista, que pregou a violência contra os nordestinos que migraram para São Paulo. Ele rosnou: “Nordestisto não é gente, faça um favor a SP, mate um nordestino afogado!“.

O covarde agora é "inexistente"

Diante do risco da abertura de um processo criminal por preconceito, a conta do covarde foi apagada e agora aparece como “inexistente” no Twitter. Perfis do mesmo usuário em outras redes sociais também foram bloqueados para acessos de pessoas que não fizessem parte de sua rede direta de "amigos".

Sua mensagem, porém, estimulou os piores instintos. Vários tweets com a hashtag #nordestisto reforçaram o ódio. Um deles esbravejou: "Só nordestinos fdp pra vota na Dilma! Nordestino num serve pra nada de util. Vem pra SP enche o saco e vota na merDilma". Outro rosnou: "Nodestisto. Porque nao criam um país próprio pra eles? Assim poderão eleger o bandido que quiserem".

Fascistas não sabem contar

A baixaria fascista gerou rápida resposta na internet. Muitos nordestinos reagiram indignados. "O Brasil nasceu aqui e tenho orgulho de ser nordestina", afirmou uma internauta. Outro lamentou: "Cada gota de ódio destilada na tag #nordestisto só faz aumentar o orgulho de ser o que sou. Tenho pena de vocês". A reação não se deu apenas no Nordeste. Paulistas civilizados também rechaçaram o ódio racista.

Rápida leitura no mapa da pleito prova que os fascistinhas, além de preconceituosos, são burrros. Dilma Rousseff não ganhou apenas por causa dos votos do Nordeste. Os nordestinos apenas aumentaram a vantagem que a futura presidente obteve no resto do País. Considerando o Norte, Centro-Oeste, Sul e Sudeste, ela somou 1.873.507 votos a mais do que o tucano José Serra. Dilma venceria sem os votos do Nordeste.

Mesmo no Sudeste, que a elite racista pensa ser dona, a petista teve 1.630.614 de votos a mais do que o demotucano. Embora Serra tenha obtido 1.846.036 de votos a mais em São Paulo, ele perdeu no segundo e no terceiro maiores colégios eleitorais do país, Minas Gerais e Rio de Janeiro, respectivamente com saldo negativo de 1.797.831 e 1.710.186.

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Crescimento e distribuição de renda

Reproduzo artigo de Márcio Pochmann, presidente do Instituto de Pesquisa Economica Aplicada (Ipea):

Uma das principais novidades surgidas no contexto de evolução da crise global de 2008 encontra-se justamente na recuperação econômica mundial atual, cada vez mais determinada pela dinâmica dos países não desenvolvidos. O fato de nações como China, Brasil e Índia responderem por mais da metade do crescimento econômico pós-recessão mundial acontece pela primeira vez desde a Grande Depressão de 1929.

Em contrapartida, o conjunto das nações desenvolvidas parece, cada vez mais, prisioneiro do ciclo vicioso originado pela nova reprodução da armadilha japonesa, constituída desde 1991 por força do tipo de crise que se abateu naquele país. Ou seja, a combinação da anorexia do consumo familiar com a retenção e adiamento dos investimentos das empresas, acrescido do desajuste fiscal e de medidas ortodoxas de contenção do gasto social. O resultado disso reflete-se na deterioração da confiança nacional potencializada pelo risco da deflação em meio à onda das desvalorizações cambiais competitivas e, infelizmente, o ressurgimento da marcha protecionista. Na sequência do desemprego em alta, ocorre a elevação nas taxas de pobreza e de suicídios entre os países desenvolvidos.

Não parece haver dúvidas de que o abandono atual, pelos países ricos, da convergência das políticas anticíclicas adotadas na crise de 2008 aponta para um período relativamente longo de convivência com o baixo dinamismo econômico e piora na distribuição de renda. Ademais, a prevalência de enormes assimetrias de poder entre a força e os interesses das grandes corporações transnacionais e o apequenamento das ações dos Estados nacionais, aliada ao contínuo esvaziamento das instituições multilaterais, tende a tornar mais distante a coordenação urgente e necessária da governança mundial.

Tal como na Grande Depressão de 1873 a 1896, que acompanhada pelo circuito da industrialização retardatária ocorrido na Alemanha e nos Estados Unidos, permitiu surgir - meio século depois - o deslocamento do centro dinâmico mundial assentado na hegemonia inglesa, se percebe hoje, guardada a devida proporção, o aparecimento de novas polaridades geoeconômicas no desenvolvimento global. China, Brasil e Índia são crescentemente apontados como nações portadoras de futuro e de grande potencial necessário para assumir maior centralidade na dinâmica do desenvolvimento mundial.

Por conta disso, se deve procurar compreender como o comportamento do crescimento econômico e do padrão de distribuição de renda, especialmente na China e no Brasil, se tornam referência de como o novo mundo poderá mover-se, com maior ou menor expansão e ampliada ou contida desigualdade na repartição da renda. Ainda que se trate de países muito diferentes, Brasil e China apresentam tendências recentes distintas em relação ao crescimento econômico e à repartição da renda nacional entre seus habitantes.

No Brasil, por exemplo, observa-se que para cada 1 ponto percentual de expansão da economia, a China consegue crescer 2,5 pontos percentuais a mais. Entre 1995 e 2010, o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro foi multiplicado por 1,6 vez, enquanto o PIB chinês foi multiplicado por 3,9 vezes. O modelo veloz de crescimento econômico da China praticamente não se alterou entre 1995 e 2003, e de 2004 a 2010 (crescimento médio anual de 10%), ao contrário do Brasil, que registrou expansão média anual de 2,1% de 1995 a 2003, e de 4,5% de 2004 a 2010.

Por outro lado, se percebe divergência importante em relação ao padrão de desigualdade na repartição de renda entre os brasileiros e chineses. Entre 1995 e 2010, o índice de Gini aumentou 21% na China, enquanto no Brasil caiu 14%. Ou seja, para cada 1 ponto percentual de queda no índice de Gini brasileiro, a China eleva em 1,4 ponto percentual o grau de desigualdade na renda. Interessante notar ainda que, de 1995 a 2001, o comportamento no índice de Gini se manteve relativamente inalterado, apesar das oscilações anuais - de 2,6% para mais na China e de 0,83% para menos no Brasil.

Todavia, se constata que a partir daí houve uma grande diferenciação na trajetória da repartição da renda na China e no Brasil. Com o crescimento econômico maior no Brasil, o comportamento do índice de Gini tornou-se mais decrescente (-12,2%), ao passo que a China, que manteve inalterada a trajetória de alta expansão do PIB, passou a registrar ampliado aumento no grau de desigualdade na repartição pessoal da renda (+17,9%).

Em síntese, se nota que desde 2004 o PIB brasileiro tem crescido, como média anual, quase a metade do ritmo de aumento do Produto Interno Bruto chinês, ao contrário do período anterior (1995 e 2003), quando a expansão econômica brasileira representava somente 25% do crescimento do PIB chinês. Com a maior expansão das atividades da economia brasileira no período recente, houve concomitantemente o aprofundamento da queda no grau de desigualdade da renda pessoal, diferentemente da situação chinesa, com forte piora na repartição do conjunto dos rendimentos dos seus habitantes.

Essas diferenças tornam-se importantes e devem ser ressaltadas, especialmente quando se avaliam as novas trajetórias mundiais possíveis a partir da sequência da crise nos países desenvolvidos iniciada em 2008. Não obstante o menor ritmo de crescimento econômico, o Brasil revela melhor trajetória de repartição da renda em relação ao desempenho chinês recente.

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Um presente que não tem preço

Reproduzo matéria publicada no blog Cloaca News:

Quis o destino que este humílimo revirador da sarjeta midiática completasse seu segundo ano de existência no mesmo dia em que o povo brasileiro está enfiando uma banana na cloaca dos barões da imprensa porcorativa.

Para o titular deste cafofo cibernético, 2010 não poderia ter sido melhor, apesar de toda a bile derramada. Graças à generosidade dos colegas de todo o país, voltamos do Encontro Nacional dos Blogueiros Progressistas, realizado em São Paulo, em agosto, com o Prêmio Barão de Itararé, distinguido como o “blog do ano”.

Julgávamos que este imerecido troféu fosse a mais inatingível das honrarias. Eis que, dias atrás, ao abrirmos nossa caixa de correspondência, encontramos a mensagem do estudante Gustavo Lutkmeier de Oliveira, que transcrevemos a seguir. Só por ele, já valeu a pena cada noite virada em claro nestes últimos 730 dias.

“Olá, bom dia, Cloaca News!

Meu nome é Gustavo, tenho 17 anos e sou morador de Canoas, Rio Grande do Sul.
Venho aqui dizer da importância que o Cloaca News teve na minha construção de ideias políticas e na formação de um jovem estudante, de um mero cidadão, leigo, em um jovem cidadão capaz de julgar seu voto e a quem ele será computado na hora da votação.

Tudo começou quando eu estava na casa de minha tia, por volta de um mês antes das eleições de primeiro turno. Ela me apresentou o blog e eu gostei muito. Com o passar do tempo, comecei a visitá-lo com frequência. Isso tudo fez com que meu instinto de jovem sedento pela verdade e pela busca do conhecimento se libertasse de meu interior. O porém da história é que isso tudo aconteceu a pouco tempo das eleições, ou seja, eu não tinha título de eleitor para por em prática minha cidadania. Me arrependo, sem dúvida, mas tudo parece estar transcorrendo em boas condições, pois, aqui no Sul, Tarso foi eleito. Varrendo toda podridão de um governo cheio de obscuridade que foi o da Yeda, correto?

No âmbito federal, Dilma tem sido muito corajosa e valente, não se entregando diante das sacanagens e das barbáries que Serra vem cometendo contra ela. Está na frente em todas as pesquisas.

Por fim, um desabafo: o pior do que tu ter o direito de votar e não querer ir por vontade, é perceber nas pessoas que elas elegem seu candidato pelas ideias superficiais que eles acabam deixando nos seus programas. E isso me deixa transtornado, pois o importante está naquilo que eles não mostram, por exemplo, a reunião de FHC para vender o Brasil. Mas o Cloaca mostra. Este, sim, está ao lado de todo cidadão, sempre com o objetivo de denunciar toda falcatrua que rola na política do nosso país. Mais uma vez agradeço por fazeres parte de minha formação enquanto jovem, enquanto cidadão e numa pessoa por dentro da política brasileira. Muito obrigado, um abraço e ainda mais sucesso!!!”


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Dilma e a vitória da militância

Reproduzo artigo de Renato Rovai, publicado no sítio da Revista Fórum:

Dilma venceu as eleições de ontem com 12 milhões de votos em relação a José Serra. Não é pouco. Mas também não é tanto quanto parece. Não fosse a militância ter assumido a disputa como sua, ao final da primeira semana do segundo turno, e provavelmente a vaca teria ido para o brejo mesmo depois de o PT e partidos aliados terem construído com Lula o governo mais popular da história do país.

Na segunda-feira dia 11, logo depois do debate da TV Bandeirantes a diferença entre Dilma e Serra bateu em quatro pontos no tracking interno do PT. O sinal amarelo, porém, tanto para a militância quanto para a coordenação de campanha já havia ascendido antes, no meio da semana anterior, quando a diferença começou a cair e a sensação era de que tanto o programa de TV de Serra estava melhor quanto como a pauta do segundo turno era ditada por ele, com relevância especial para o tema do aborto, que havia ganhado uma centralidade sem sentido nos debates públicos.

Foi essa sensação que fez com que nas redes sociais e nos blogues os militantes passassem a exigir de Dilma uma postura mais aguerrida no debate da TV Bandeirantes. No sábado e no domingo do debate a pressão foi imensa.

Blogueiros e tuiteiros queriam que ela não deixasse nada sem resposta e que comparasse a gestão tucana e os governos de Lula principalmente em relação à valorização do Estado e aos investimentos sociais. E pediam que Dilma enfrentasse com coragem a questão do aborto.

Na coordenação de campanha havia dúvidas se essa era a melhor estratégia. Um setor preferia uma Dilminha mais paz e amor, que tocasse a bola de lado contando com a enorme popularidade de Lula para chegar a vitória, como se ela fosse inevitável. Outro grupo defendia uma candidata mais firme. E Dilma também não estava satisfeita no figurino de mulherzinha comportadinha e boazinha. Queria enfrentar Serra. Queria deixar claro que era diferente e melhor do que ele. E foi para o debate com sangue nos olhos.

Dilma não poupou o tucano do primeiro ao último minuto do encontro. Fez o que a militância queria e não só mudou a pauta do debate do segundo turno, que migrou de aborto para privatizações, como também encheu de brios seus apoiadores que foram para a rua enfrentar o debate político.

Após o debate, registrei isso num post. Não tenho dúvida de que aquele foi o turning point da campanha – como gostam de dizer os gringos. Ou seja, o momento da virada do segundo turno. Se Dilma não assumisse tal postura no debate da Band, Serra poderia ter virado o jogo na semana que entrava.

Ao demarcar campos, Dilma deu mostras de que se tratava de uma disputa entre dois projetos distintos e que de alguma forma a esquerda e o movimento social progressista só tinham um lado para ficar. Com algumas exceções, foi isso que aconteceu.

Sindicatos, MST, feministas, defensores da democratização da comunicação, blogueiros progressistas, ecologistas sérios, artistas comprometidos, lutadores de todos os setores tornaram as três semanas que separaram o debate da Band do dia de ontem nas mais intensas de uma disputa política desde a redemocratização.

Dilma foi eleita com 12 milhões de votos de diferença. Não fosse o apoio decisivo desses setores e a história poderia ser diferente.

Isso não é ruim. É ótimo. O governo de Dilma terá de dar especial atenção a esses setores, que não tem reivindicações privadas, mas públicas. E de interesse público.

O segundo turno foi ótimo para a futura presidenta da República. Sua vitória vem com marca de povo, de luta social, de projeto democrático, com a força da esquerda.

Dilma terá de fazer um governo que avance nas conquistas já obtidas nos oito anos de Lula. É isso que vai lhe fazer governar junto com quem lhe garantiu a vitória de ontem, a militância.

PS: Agradeço a todos que ajudaram a construir o 48 horas democracia. Foi uma experiência sensacional e que marcou a história profissional deste blogueiro.

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500 anos esta noite (homenagem a Dilma)

Reproduzo poesia de Hamilton Pereira (Pedro Tierra), publicada no sítio da Adital:

De onde vem essa mulher
que bate à nossa porta
500 anos depois?
Reconheço esse rosto estampado
em pano e bandeiras e lhes digo:
vem da madrugada que acendemos
no coração da noite.
De onde vem essa mulher
que bate às portas do país
dos patriarcas em nome
dos que estavam famintos
e agora têm pão e trabalho?
Reconheço esse rosto
e lhes digo:
vem dos rios subterrâneos da esperança,
que fecundaram o trigo e
fermentaram o pão.

De onde vem essa mulher
que apedrejam, mas
não se detém,
protegida pelas mãos aflitas dos pobres
que invadiram os espaços de mando?
Reconheço esse rosto e lhes digo:
vem do lado esquerdo do peito.


Por minha boca de clamores e silêncios
ecoe a voz da geração insubmissa para contar
sob sol da praça
aos que nasceram e aos que nascerão,
de onde vem essa mulher.

Que rosto tem, que sonhos traz?
Não me falte agora a palavra que retive
ou que iludiu a fúria dos carrascos
durante o tempo sombrio
que nos coube combater.

Filha do espanto e da indignação,
filha da liberdade e da coragem,
recortado o rosto e o riso como centelha:
metal e flor, madeira e memória.

No continente de esporas de prata
e rebenque, o sonho dissolve a treva espessa, recolhe os cambaus, a brutalidade,
o pelourinho, afasta a força que sufoca e silencia
séculos de alcova, estupro
e tirania e lança luz sobre o rosto dessa mulher
que bate às portas do nosso coração.

As mãos do metalúrgico,
as mãos da multidão inumerável
moldaram na doçura do barro
e no metal oculto dos sonhos
a vontade e a têmpera
para disputar o país.

Dilma se afarta da luz
que esculpiu seu rosto
ante os olhos da multidão
para disputar o país,
para governar o país.
Nasce uma nova aurora:

Bom Dilma!!!

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O Brasil de Dilma: mãos à obra

Reproduzo artigo do professor Laurindo Lalo Leal Filho, publicado no sítio Carta Maior:

A vitória de Dilma Roussef é um recado da sociedade às forças conservadoras que tentaram, por vários meios, impedir que isso acontecesse. Entre eles destaque-se os meios de comunicação, transformados em partido político, sem base social mas ainda com grande poder persuasivo.

Foram eles os responsáveis pela realização do segundo turno em 2006 e 2010. Sem mandato, julgam-se no direito absoluto de impor à sociedade suas visões de mundo, defendendo interesses restritos à classe social da qual são parte e porta-vozes. Trata-se de uma distorção incompatível com o jogo democrático.

O presidente Lula disse, em excelente entrevista à Carta Maior (com Página 12, da Argentina e La Jornada, do México), estar decidido a se empenhar, fora do governo, no trabalho de "primeiro convencer o meu partido de que a reforma política é importante, (...) e depois, convencer os partidos aliados de que a reforma política é importante. Se tivermos maioria, poderemos votar a reforma política, eu diria, nos próximos dois anos".

Tarefa imprescindível, sem dúvida. O Brasil vive sob o descompasso existente entre os avanços econômicos e culturais alcançados nos últimos oito anos e um sistema político arcaico, perpetuador de privilégios. Executivos comandados por presidentes populares, afinados com as aspirações maiores da sociedade, tiveram sempre a fustigá-los interesses mesquinhos articulados por máquinas políticas instaladas no legislativo, mais suscetível ao voto não-ideológico. Situações geradoras de crises históricas que levaram, por exemplo, Getúlio à morte e Jango ao exílio.

Lula não foi exceção e só sobreviveu graças a sua incontestável habilidade política. Daí o seu empenho em, além de eleger a sucessora, dar a ela a possibilidade de governar com um Congresso menos hostil. Talvez essa tenha sido a maior exasperação da mídia ao perceber que muitos dos seus aliados e representantes tradicionais não voltariam, como não voltarão, à Câmara e ao Senado no ano que vem.

No entanto, o país não pode mais ficar à mercê das circunstâncias de ter, como hoje, um presidente disposto a enfrentar nas urnas esses adversários. Para isso são necessárias novas formas, modernas e democráticas, de se fazer política no Brasil. Financiamento público de campanha, equilíbrio nas representações parlamentares estaduais na Câmara e voto em lista, distrital ou misto, são pontos de partida para a discussão proposta pelo presidente Lula.

Mas a reforma não terá efeitos práticos se os meios de comunicação seguirem tendo o absurdo papel político-eleitoral de hoje. Não há democracia que resista por muito tempo ao poder que tem quatro famílias de estabelecer a agenda política nacional. Derrotadas, graças à força de um governo que as superou nas ruas e nas praças, nada garante que não voltem ainda mais dispostas a apoiar - como já fizerem em outras oportunidades - aventuras golpistas.

Não é tarefa fácil. Exige alta dose de competência e muito sangue frio. Qualquer ação corretiva nessa área é chamada de censura por aqueles que defendem seus privilégios com unhas e dentes. Se arvoram senhores da liberdade de expressão, de falarem o que querem, obrigando todos os demais ao mutismo.

Com a força das urnas, o novo governo pode acelerar algumas das iniciativas esboçadas na gestão que se encerra. A mais urgente é dar ordenação legal ao setor da radiodifusão, verdadeira terra de ninguém, sem lei e sem ordem. O governo Lula deixará para a presidente Dilma o embrião desse projeto calcado nas experiências mais avançadas existentes hoje em todo o mundo e, claro, sintonizadas com a realidade brasileira. Não é possível seguirmos, na era da digitalização e da crescente convergência dos meios, com leis que tratam separadamente as telecomunicações e a radiodifusão. E, esta, além disso datada de 1962, época da chegada do vídeo-tape e da TV em preto e branco.

Quando o mundo convergia suas legislações para adaptar os marcos legais a realidade tecnológica, o Brasil no governo tucano as separava para permitir a privatização das telefônicas e preservar os privilégios dos radiodifusores. Está mais do que na hora de acabar com isso.

Cabe lembrar que já em 2007, o documento final do 3º Congresso Nacional dos Partidos dos Trabalhadores propunha "a imediata revisão dos mecanismos de outorga de canais de rádio e TV, concessões públicas que vêm sendo historicamente tratadas como propriedade absoluta por parte das emissoras de radiodifusão. Esta atualização passa pelo cumprimento da Lei, haja vista a flagrante ilegalidade em diversas emissoras, por maior transparência e agilidade nos processos e pela criação de critérios e mecanismos para que a população possa avaliar e debater não somente a concessão, mas também a renovação de outorgas".

O PT deve se juntar à luta da sociedade organizada para concretizar os preceitos da Constituição Federal de 1988 que estabelecem a proibição do monopólio na mídia e definem como finalidade do conteúdo veicular a educação, a cultura e a arte nacionais.

Que tal começar já, discutindo e aprofundando essas questões no período de transição do governo Lula para o governo Dilma? Passo fundamental nesse sentido é dotar o Ministério das Comunicações de transparência absoluta, aberto à sociedade e aos seus reclamos quanto, por exemplo, a qualidade dos serviços prestados pelas empresas de rádio, televisão e telefonia. Tornando-o partícipe da elaboração e encaminhamento de projetos de lei voltados para a democratização das comunicações, hoje restritos a outras àreas de governo, como as Secretarias Especiais de Direitos Humanos e de Comunicação da Presidência da República.

Mas um novo Ministério das Comunicações é apenas parte do enfrentamento do problema. Por se tratar de questão-chave para a democracia a empreitada deve ser vista como prioridade absoluta do governo como um todo. Só assim haverá massa crítica e força suficientes para avançarmos no projeto nacional de banda larga oferecido por sistema público, acabarmos com a propriedade cruzada dos meios de comunicação, ampliarmos a abrangência de cobertura da TV Brasil e das emissoras de rádio da EBC, garantirmos a aplicação do dispositivo constitucional referente a obrigatoriedade de um percentual de programas regionais na televisão, criarmos uma agência reguladora para os serviços de radiodifusão capaz de, por exemplo, coibir a violação constante dos direitos humanos cometidos no rádio e na TV, entre tantas outras tarefas urgentes.

Sem esquecer a necessidade, prioritária, de impulsionarmos a existência de um grande jornal diário nacional, capaz de oferecer ao brasileiro uma outra visão de mundo, comprometida com a solidariedade e a justiça social, como fazia a Última Hora na metade do século passado.

Vamos buscar aquilo que de melhor o século 20 nos legou para, com a distribuição mais justa e acessível das novas tecnologias, passarmos a oferecer melhor não só as nossas riquezas materiais, mas também nossos preciosos bens simbólicos, fundamentais para a elevação do grau de civilidade do nosso país.

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Dos porões do Dops para a presidência

Reproduzo artigo de jornalista e escritor Rui Martins:

Extraordinária revanche que, ao mesmo tempo, reforça o conceito de ser preciso lutar, mesmo quando se é minoria e parece ser perdida a causa. Qual dos carrascos e dos militares do golpe de 64 poderia imaginar, naqueles passados fim dos anos 60, que uma das jovens recolhidas a uma das celas do Dops seria eleita, mais de 40 anos depois, presidenta do Brasil?

Diante de situações como essa, se fortalece a convição da necessidade de se lutar mesmo quando tudo parece ser contra nós e quando se é uma reduzida minoria. Graças ao meu amigo e colega Alípio Freire, imponente e carismática figura, visitei, durante minha viagem a São Paulo, dois lugares que me religaram à época da luta contra a ditadura militar – os arquivos onde estão guardados os documentos relacionados com os perseguidos, presos, torturados e mesmo assassinados no Dops, depois chamado de Deops, mas sempre um instrumento cruel da repressão. E a seguir, na praça General Osório, junto à antiga Estação da Luz, os lugares onde funcionavam parte dos mecanismos da repressão, hoje transformados no Memorial da Resistência.

Cubículos onde se acumulavam os jovens resistentes à ditadura, onde eram torturados, recebiam verdadeiras lavagens de porcos como refeições e apodreciam sem direito à luz solar, coisa permitida reduzidas vezes e apenas por restritos minutos. Coincidentemente, ali estavam no começo de outubro, data de minha visita, numerosos cinegrafistas dos diversos canais da televisão brasileira.

E por que? Para mandarem ao ar, logo após confirmada a vitória de Dilma Rousseff, documentos filmados da cela onde esteve presa, quando militante contra a ditadura militar brasileira. A vitória não saiu, como se esperava, no primeiro turno, e tudo vai ser levado à televisão brasileira neste domingo do segundo turno.

Não faltarão, sem dúvida, as informações truncadas, pelas quais ouvi um jovem me dizer, ter sido Dilma assaltante de bancos, mas tinha recebido informação incompleta, pois não lhe tinham explicado ser essa a maneira, na época, de se atacar o sistema militar e obter fundos para manter a resistência aos ditadores.

Estranho país esse meu Brasil, onde por guerrinhas políticas se procura denegrir a imagem de seus heróis do passado. Os covardes de ontem, que compuseram, colaboraram ou se aproveitaram da ditadura tentam agora minimizar o valor de todos quantos expuseram suas vidas em luta pela liberdade e pela democracia dos dias de hoje.

Dilma Rousseff não é apenas a primeira mulher brasileira eleita presidenta (e isso já é extraordinário num país tido como de machistas), é mais que isso, é uma das lutadoras naqueles escuros anos de chumbo. Anos em que, militares teleguiados pelos EUA destruíram a cultura construída nas nossas universidades, a pretexto de evitar o marxismo, mas na verdade para manter a desigualdade social e a semi-escravidão de grande parte da população, da qual só agora vamos saindo.

Dilma foi uma resistente, vinda das hostes de um outro herói, Leonel Brizola. Sua eleição é o coroamento do longo caminho das batalhas sociais em favor do povo e da liberdade, que são por uma melhor repartição do pão e por uma melhor remuneração do trabalho da maioria da população.

Depois de quase quinhentos anos de um Brasil governado sempre pelas mesmas famílias, pelas mesmas oligarquias, houve a ascenção de um filho do povo. A Casa Grande perdeu para os habitantes da Senzala e um Brasil mais justo vai surgindo, mesmo diante de numerosas tentativas para se devolver o poder aos seus antigos detentores. Oito anos, tantas vezes conturbados pelas dificuldades de se governar com um Parlamento viciado na corrupção, é um tempo curto demais para se contrapor aos quase 500 da elite branca e rica brasileira, disposta tantas vezes a vender e a ceder nossas riquezas em troca de vantagens pessoais.

Dilma Rousseff, a corajosa mulher dos anos 60, que viveu três anos nas escuras celas do Dops, por afrontar os militares – nisso sobrepujando tantos homens, dispostos por covardia a se submeter aos fardados – é hoje a garantia de um novo governo em favor do povo e não em favor dos ricos e suas oligarquias.

O Brasil é exemplo de democracia na América Latina, mostra um enorme avanço tecnológico ao ser capaz de apurar rapidamente as eleições que, nos EUA, demoram um mês em meio a trapaças de toda espécie.

A derrota de Serra sela o fim de um época. Por um bom tempo, poderemos ter a certeza da manutenção dos verdadeiros representantes do povo no poder, mesmo sob a pressão do cartel da imprensa da direita, que confunde liberdade de expressão com manipulação e engodo do povo com seus telejornais supérfluos, suas telenovelas modificadoras da nossa cultura e com sua máquina de informação implantada por todo o país sem contrapartida, numa verdadeira ditadura latente e invisível mas eficaz.

Dilma, a resistente de ontem é a nossa presidenta de hoje, numa extraordinária revanche aos golpistas, torturadores e assassinos do passado, ainda saudosos dos anos em que enterraram aqueles anos ricos em cultura e manifestação popular. Os tempos mudaram, graças aos resistentes, o Brasil se transformou, graças aos anos Lula numa potência mundial, que Dilma, representante das mulheres brasileiras, tantas vezes oprimidas e obrigadas a ficar na cozinha, vai continuar.

PS. Graças aos arquivos do tempo da ditadura, pude também me reencontrar, naqueles idos de 1967-68, ao lado de Mario Martins, no Teatro Paramout, secretariando o Encontro com a Liberdade, ao lado dos resistentes da época. A história de um país não se faz num dia, ela é o resultado de anos de lutas e, no caso do Brasil, a satisfação dos dias de hoje é saber que a Casa Grande está sendo transformada em Casa do Povo.

PS-2. A partir de amanhã e até o dia 9, os emigrantes poderão eleger seus representantes num Conselho junto ao Itamaraty, apenas figurativo, mas que poderá ser um trampolim a uma Secretaria de Estado dos Emigrantes. Na América do Norte, são candidatos apoiados pelos Estado do Emigrante, Josivaldo Rodrigues e Veronique Ballot; na América do Sul, Fernanda Balli; na Ásia/África Alberto Ésper e, na Europa, Rui Martins. Para votar ir ao site www.brasileirosnomundo.mre.gov.br , onde estão todas as informações.


* Rui Martins é correspondente em Genebra, líder emigrante, jornalista e escritor.

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A vitória de um projeto generoso

Reproduzo artigo de Rodrigo Vianna, publicado no blog Escrevinhador:

A vitória de Dilma significa a vitória de lutas que vêm de longe, como eu já escrevi aqui.

A vitória de Dilma é a vitória de Lula e de um projeto que aposta na inclusão. É a continuidade de um governo que teve atuação marcante em quatro eixos, pelo menos:

- criação de um mercado consumidor de massas (recuperação do salário-mínimo, do salário do funcionalismo, Bolsa-Familia, política mais agressiva e popular de crédito) – teve papel fundamental no enfrentamento da crise econômica mundial, porque o Brasil deixou de depender só das exportações e pôde basear sua recuperação no mercado interno;

- respeito aos movimentos sociais – parceria com sindicatos, diálogo com as centrais, com o MST;

- recuperação do papel do Estado – fim das privatizações, valorização do funcionalismo, novos concursos públicos, recuperação do papel planejador do Estado (por exemplo, no campo da energia), fortalecimento dos bancos públicos (não mais como financiadores de privatizações suspeitas, mas como indutores do desenvolvimento);

- política externa soberana – enterro da Alca, criação da UNASUL, valorização de parcerias com China, India, Irã; fim do alinhamento com os EUA.

Dilma significa que isso tudo pode seguir. Mas a campanha mostrou que há pelo menos uma área onde o governo Lula errou, por timidez: política de comunicação. Durante a reta final do primeiro turno, o Brasil voltou a ficar refém de quatro ou cinco famílias que ditam a pauta do Brasil. Os blogs e um ou outro meio tradiconal ofereceram certo contraponto. Mas foi pouco. No segundo mandato, com Franklin Martins, Lula mostrou que é possível avançar muito mais nessa área!

A vitória de Dilma significa também a derrota de muita coisa. Derrota do preconceito e do ódio expressos em mensagens apócrifas, derrota de quem acredita que se ganha eleição misturando política e religião – de forma desrespeitosa e obscurantista.

Dilma no poder significa a derrota de Ali Kamel e seu pornográfico jornalismo de bolinhas na “Globo”. Significa a derrota de Otavinho e suas fichas falsas na “Folha”. Significa a derrota da Abril e de seus blogueiros/colunistas de esgoto.

Dilma é a derrota da extrema-direita que espalhou boatos, fotos falsas, montagens grosseiras e – quando desmascarada – saiu correndo (apagando sites, vestígios, provas).

A vitória de Dilma é a derrota da maior máquina ideológica conservadora montada no Brasil desde o golpe de 64. Essa máquina mostrou sua cara na campanha – unindo a Opus Dei, o Vaticano e o que restou da comunidade de informações a essa turma “profisional” que espalhou emails, calúnias, spams (e atacou até blogs progressistas na calada da noite).

A consagração de Dilma significa a derrota de um candidato covarde: não teve coragem de mostrar FHC na campanha, fingiu ser amigo de Lula e, no desespero, usou aborto e a própria mulher para ataques lamentáveis…

Dilma é a derrota de uma política feita nas sombras, nos telefonemas para as redações, nos dossiês. Dilma significa a vitória de um projeto generoso, e o enterro de uma determinada oposição.

Quem torce pela democracia torce também para que uma nova oposição – séria e democrática – prospere, longe dos dossiês e da truculência serrista. Na próxima semana, teremos tempo para pensar a fundo no que pode vir de uma oposição renovada, quais os movimentos possíveis…

Mas acho que não devemos ter ilusão. Serra tirou da garrafa a extrema-direita. O tipo de campanha feita por ele, e que obteve mais de 40% dos votos, mostra que essa máquina conservadora está à espreita. E pode voltar a atacar. Os colunistas e os chefetes ressentidos – em certa imprensa pornográfica – seguirão a agir nas sombras.

Caberá a nós lançar cada vez mais luz sobre as manobras dessa gente. Derrotada pelo voto e pela força do povo brasileiro.

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Quem foi derrotado na eleição?

Reproduzo artigo de Umberto Martins, publicado no sítio Vermelho:

Com 92,23% dos votos apurados, a candidata da coligação Para o Brasil Continuar Mudando, Dilma Rousseff, obteve 55,39% dos votos válidos contra 44% de José Serra e foi declarada eleita pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Ricardo Lewandowski, por volta das 20h30. A abstenção atingiu 21,18%. O recado das urnas foi claro. O povo votou para consolidar e impulsionar o processo de mudanças iniciado em 2002 com a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O grande vitorioso do pleito é o povo brasileiro, que rejeita o retrocesso neoliberal e aposta na continuidade e no aprofundamento do processo de mudança iniciado pelos governos Lula; abomina as privatizações e votou para que os lucros do petróleo do pré-sal sejam apropriados pela nação e não pelas transnacionais.

Ganharam os partidos de esquerda e de centro que integram a coligação Para o Brasil Continuar Mudando. Ganharam os movimentos sociais (as centrais sindicais, a UNE, o MST), ameaçados de criminalização pela direita demo-tucana. Ganharam os democratas e patriotas, que rejeitam o obscurantismo e defendem uma política externa altiva e soberana. Ganharam as mulheres, que pela primeira vez na história do Brasil terão uma representante na Presidência da República, numa vitória da luta secular pela igualdade.

Quem foi derrotado nesta eleição

A direita demo-tucana. O caráter direitista da coligação demo-tucana encabeçada por José Serra ficou patente no decorrer da campanha presidencial. Serra foi apoiado e assessorado pela TFP, organização de notória inspiração fascista; apelou ao discurso golpista contra a “república sindicalista” (usado pelos militares em 1964); estimulou a intolerância e o obscurantismo reacionário de setores religiosos, contra o aborto e o casamento homossexual; acenou com a privatização do pré-sal, a “flexibilização” (ou o fim) do Mercosul e o retorno da diplomacia do pés descalços, em troca do apoio das potências imperialistas.

A mídia golpista. Os meios de comunicação monopolizados por um minúsculo grupo de famílias capitalistas (Marinho, Civita, Frias e Mesquita) estão entre os grandes derrotados deste pleito. Com o destaque das Organizações Globo e da editora Abril, que transformou a revista Veja num mal disfarçado panfleto da campanha tucana, a mídia escancarou o apoio ao candidato da direita e em certo momento passou a ditar a agenda da campanha. Deixou cair a máscara do pluralismo e da imparcialidade. A verdade saiu arranhada nesta mídia. Apesar do segundo turno, o povo não se deixou enganar e impôs nova derrota à mídia, a terceira desde 2002. Tudo isto deve servir de lição ao novo governo, que pode pautar um debate mais sério e sereno sobre as propostas da Primeira Conferência Nacional da Comunicação (Confecon).

O papa e setores reacionários da Igreja. Em outra prova de sua guinada à direita, José Serra se aliou aos setores mais reacionários e obscurantistas das igrejas, mobilizando padres, pastores e bispos para uma suja campanha contra Dilma, explorando de forma demagógica temas delicados como o aborto e a união civil de homossexuais. Até o papa entrou na baixaria, pregando contra “a candidata do aborto” na reta final do pleito. O Estado é laico, como afirmou Lula. O obscurantismo religioso não vingou, foi derrotado.

As transnacionais e o imperialismo. Na reta final da campanha, a revista The Economist e o jornal Financial Times, que tinham mantido prudente distância do pleito no primeiro turno, com a ressureição da possibilidade de vitória no segundo turno resolveram abrir o jogo e declarar apoio a Serra. Os dois veículos, porta-vozes do imperialismo anglo-americano, refletiram a opção e torcida do capital estrangeiro, esperançosos com as sinalizações de que o programa de privatizações seria retomado pelo tucano, que na reta final da campanha admitiu a privatização do pré-sal denunciada por Dilma Rousseff. Foram derrotados.

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O primeiro discurso da presidenta Dilma

Minhas amigas e meus amigos de todo o Brasil,

É imensa a minha alegria de estar aqui.

Recebi hoje de milhões de brasileiras e brasileiros a missão mais importante de minha vida.

Este fato, para além de minha pessoa, é uma demonstração do avanço democrático do nosso país: pela primeira vez uma mulher presidirá o Brasil. Já registro portanto aqui meu primeiro compromisso após a eleição: honrar as mulheres brasileiras, para que este fato, até hoje inédito, se transforme num evento natural. E que ele possa se repetir e se ampliar nas empresas, nas instituições civis, nas entidades representativas de toda nossa sociedade.

A igualdade de oportunidades para homens e mulheres é um principio essencial da democracia. Gostaria muito que os pais e mães de meninas olhassem hoje nos olhos delas, e lhes dissessem: SIM, a mulher pode!

Minha alegria é ainda maior pelo fato de que a presença de uma mulher na presidência da República se dá pelo caminho sagrado do voto, da decisão democrática do eleitor, do exercício mais elevado da cidadania. Por isso, registro aqui outro compromisso com meu país:

Valorizar a democracia em toda sua dimensão, desde o direito de opinião e expressão até os direitos essenciais da alimentação, do emprego e da renda, da moradia digna e da paz social.

Zelarei pela mais ampla e irrestrita liberdade de imprensa. Zelarei pela mais ampla liberdade religiosa e de culto. Zelarei pela observação criteriosa e permanente dos direitos humanos tão claramente consagrados em nossa constituição. Zelarei, enfim, pela nossa Constituição, dever maior da presidência da República.

Nesta longa jornada que me trouxe aqui pude falar e visitar todas as nossas regiões. O que mais me deu esperanças foi a capacidade imensa do nosso povo, de agarrar uma oportunidade, por mais singela que seja, e com ela construir um mundo melhor para sua família.

É simplesmente incrível a capacidade de criar e empreender do nosso povo. Por isso, reforço aqui meu compromisso fundamental: a erradicação da miséria e a criação de oportunidades para todos os brasileiros e brasileiras.

Ressalto, entretanto, que esta ambiciosa meta não será realizada pela vontade do governo. Ela é um chamado à nação, aos empresários, às igrejas, às entidades civis, às universidades, à imprensa, aos governadores, aos prefeitos e a todas as pessoas de bem.

Não podemos descansar enquanto houver brasileiros com fome, enquanto houver famílias morando nas ruas, enquanto crianças pobres estiverem abandonadas à própria sorte.

A erradicação da miséria nos próximos anos é, assim, uma meta que assumo, mas para a qual peço humildemente o apoio de todos que possam ajudar o país no trabalho de superar esse abismo que ainda nos separa de ser uma nação desenvolvida.

O Brasil é uma terra generosa e sempre devolverá em dobro cada semente que for plantada com mão amorosa e olhar para o futuro.

Minha convicção de assumir a meta de erradicar a miséria vem, não de uma certeza teórica, mas da experiência viva do nosso governo, no qual uma imensa mobilidade social se realizou, tornando hoje possível um sonho que sempre pareceu impossível.

Reconheço que teremos um duro trabalho para qualificar o nosso desenvolvimento econômico. Essa nova era de prosperidade criada pela genialidade do presidente Lula e pela força do povo e de nossos empreendedores encontra seu momento de maior potencial numa época em que a economia das grandes nações se encontra abalada.

No curto prazo, não contaremos com a pujança das economias desenvolvidas para impulsionar nosso crescimento. Por isso, se tornam ainda mais importantes nossas próprias políticas, nosso próprio mercado, nossa própria poupança e nossas próprias decisões econômicas.

Longe de dizer, com isso, que pretendamos fechar o país ao mundo. Muito ao contrário, continuaremos propugnando pela ampla abertura das relações comerciais e pelo fim do protecionismo dos países ricos, que impede as nações pobres de realizar plenamente suas vocações.

Mas é preciso reconhecer que teremos grandes responsabilidades num mundo que enfrenta ainda os efeitos de uma crise financeira de grandes proporções e que se socorre de mecanismos nem sempre adequados, nem sempre equilibrados, para a retomada do crescimento.

É preciso, no plano multilateral, estabelecer regras mais claras e mais cuidadosas para a retomada dos mercados de financiamento, limitando a alavancagem e a especulação desmedida, que aumentam a volatilidade dos capitais e das moedas. Atuaremos firmemente nos fóruns internacionais com este objetivo.

Cuidaremos de nossa economia com toda responsabilidade. O povo brasileiro não aceita mais a inflação como solução irresponsável para eventuais desequilíbrios. O povo brasileiro não aceita que governos gastem acima do que seja sustentável.

Por isso, faremos todos os esforços pela melhoria da qualidade do gasto público, pela simplificação e atenuação da tributação e pela qualificação dos serviços públicos. Mas recusamos as visões de ajustes que recaem sobre os programas sociais, os serviços essenciais à população e os necessários investimentos.

Sim, buscaremos o desenvolvimento de longo prazo, a taxas elevadas, social e ambientalmente sustentáveis. Para isso zelaremos pela poupança pública. Zelaremos pela meritocracia no funcionalismo e pela excelência do serviço público. Zelarei pelo aperfeiçoamento de todos os mecanismos que liberem a capacidade empreendedora de nosso empresariado e de nosso povo.

Valorizarei o Micro Empreendedor Individual, para formalizar milhões de negócios individuais ou familiares, ampliarei os limites do Supersimples e construirei modernos mecanismos de aperfeiçoamento econômico, como fez nosso governo na construção civil, no setor elétrico, na lei de recuperação de empresas, entre outros.

As agências reguladoras terão todo respaldo para atuar com determinação e autonomia, voltadas para a promoção da inovação, da saudável concorrência e da efetividade dos setores regulados.

Apresentaremos sempre com clareza nossos planos de ação governamental. Levaremos ao debate público as grandes questões nacionais. Trataremos sempre com transparência nossas metas, nossos resultados, nossas dificuldades. Mas acima de tudo quero reafirmar nosso compromisso com a estabilidade da economia e das regras econômicas, dos contratos firmados e das conquistas estabelecidas.

Trataremos os recursos provenientes de nossas riquezas sempre com pensamento de longo prazo. Por isso trabalharei no Congresso pela aprovação do Fundo Social do Pré-Sal. Por meio dele queremos realizar muitos de nossos objetivos sociais. Recusaremos o gasto efêmero que deixa para as futuras gerações apenas as dívidas e a desesperança.

O Fundo Social é mecanismo de poupança de longo prazo, para apoiar as atuais e futuras gerações. Ele é o mais importante fruto do novo modelo que propusemos para a exploração do pré-sal, que reserva à Nação e ao povo a parcela mais importante dessas riquezas.

Definitivamente, não alienaremos nossas riquezas para deixar ao povo só migalhas. Me comprometi nesta campanha com a qualificação da Educação e dos Serviços de Saúde. Me comprometi também com a melhoria da segurança pública. Com o combate às drogas que infelicitam nossas famílias.

Reafirmo aqui estes compromissos. Nomearei ministros e equipes de primeira qualidade para realizar esses objetivos. Mas acompanharei pessoalmente estas áreas capitais para o desenvolvimento de nosso povo.

A visão moderna do desenvolvimento econômico é aquela que valoriza o trabalhador e sua família, o cidadão e sua comunidade, oferecendo acesso a educação e saúde de qualidade. É aquela que convive com o meio ambiente sem agredi-lo e sem criar passivos maiores que as conquistas do próprio desenvolvimento.

Não pretendo me estender aqui, neste primeiro pronunciamento ao país, mas quero registrar que todos os compromissos que assumi, perseguirei de forma dedicada e carinhosa.

Disse na campanha que os mais necessitados, as crianças, os jovens, as pessoas com deficiência, o trabalhador desempregado, o idoso teriam toda minha atenção. Reafirmo aqui este compromisso.

Fui eleita com uma coligação de dez partidos e com apoio de lideranças de vários outros partidos. Vou com eles construir um governo onde a capacidade profissional, a liderança e a disposição de servir ao país será o critério fundamental. Vou valorizar os quadros profissionais da administração pública, independente de filiação partidária.

Dirijo-me também aos partidos de oposição e aos setores da sociedade que não estiveram conosco nesta caminhada. Estendo minha mão a eles. De minha parte não haverá discriminação, privilégios ou compadrio.

A partir de minha posse serei presidenta de todos os brasileiros e brasileiras, respeitando as diferenças de opinião, de crença e de orientação política. Nosso país precisa ainda melhorar a conduta e a qualidade da política. Quero empenhar-me, junto com todos os partidos, numa reforma política que eleve os valores republicanos, avançando em nossa jovem democracia.

Ao mesmo tempo, afirmo com clareza que valorizarei a transparência na administração pública. Não haverá compromisso com o erro, o desvio e o malfeito. Serei rígida na defesa do interesse público em todos os níveis de meu governo. Os órgãos de controle e de fiscalização trabalharão com meu respaldo, sem jamais perseguir adversários ou proteger amigos.

Deixei para o final os meus agradecimentos, pois quero destacá-los. Primeiro, ao povo que me dedicou seu apoio. Serei eternamente grata pela oportunidade única de servir ao meu país no seu mais alto posto. Prometo devolver em dobro todo o carinho recebido, em todos os lugares que passei.

Mas agradeço respeitosamente também aqueles que votaram no primeiro e no segundo turno em outros candidatos ou candidatas. Eles também fizeram valer a festa da democracia.

Agradeço as lideranças partidárias que me apoiaram e comandaram esta jornada, meus assessores, minhas equipes de trabalho e todos os que dedicaram meses inteiros a esse árduo trabalho. Agradeço a imprensa brasileira e estrangeira que aqui atua e cada um de seus profissionais pela cobertura do processo eleitoral.

Não nego a vocês que, por vezes, algumas das coisas difundidas me deixaram triste. Mas quem, como eu, lutou pela democracia e pelo direito de livre opinião arriscando a vida; quem, como eu e tantos outros que não estão mais entre nós, dedicamos toda nossa juventude ao direito de expressão, nós somos naturalmente amantes da liberdade. Por isso, não carregarei nenhum ressentimento.

Disse e repito que prefiro o barulho da imprensa livre ao silencio das ditaduras. As criticas do jornalismo livre ajudam ao pais e são essenciais aos governos democráticos, apontando erros e trazendo o necessário contraditório.

Agradeço muito especialmente ao presidente Lula. Ter a honra de seu apoio, ter o privilégio de sua convivência, ter aprendido com sua imensa sabedoria, são coisas que se guarda para a vida toda. Conviver durante todos estes anos com ele me deu a exata dimensão do governante justo e do líder apaixonado por seu pais e por sua gente. A alegria que sinto pela minha vitória se mistura com a emoção da sua despedida.

Sei que um líder como Lula nunca estará longe de seu povo e de cada um de nós. Baterei muito a sua porta e, tenho certeza, que a encontrarei sempre aberta. Sei que a distância de um cargo nada significa para um homem de tamanha grandeza e generosidade. A tarefa de sucedê-lo é difícil e desafiadora. Mas saberei honrar seu legado.

Saberei consolidar e avançar sua obra. Aprendi com ele que quando se governa pensando no interesse público e nos mais necessitados uma imensa força brota do nosso povo. Uma força que leva o país para frente e ajuda a vencer os maiores desafios.

Passada a eleição agora é hora de trabalho. Passado o debate de projetos agora é hora de união. União pela educação, união pelo desenvolvimento, união pelo país. Junto comigo foram eleitos novos governadores, deputados, senadores. Ao parabenizá-los, convido a todos, independente de cor partidária, para uma ação determinada pelo futuro de nosso país.

Sempre com a convicção de que a Nação Brasileira será exatamente do tamanho daquilo que, juntos, fizermos por ela.

Muito obrigada!

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