quinta-feira, 22 de julho de 2010

O uso do cachimbo pode entortar a boca

Reproduzo artigo de Maria Inês Nassif, publicado no jornal Valor Econômico:

A incorporação do discurso udenista ao arsenal dos candidatos à Presidência é tão velha quanto a relativamente nova democracia brasileira. Aliás, até mais velha. O padrão da UDN, criada em 1945 e extinta em 1965 pela ditadura militar que ajudou a implantar, tem interditado o debate político desde a redemocratização, em 1985. Em 2010, 35 anos após a sua extinção, ainda é o padrão de discurso oposicionista. 55 anos depois de sua criação, com uma ditadura de 21 anos no meio, volta invariavelmente em períodos eleitorais.

O PT cumpriu seu destino de oposição udenista de 1989 a 2002, quando, enfim, tornou-se governo pelo voto direto. No caso, prevaleceu o discurso moral. A partir de 2003, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assumiu o governo, os partidos excluídos do poder assumiram, eles próprios, o udenismo como padrão de comportamento oposicionista. Trazido das eleições anteriores, o udenismo pós-Lula, comandado pelo PSDB e pelo ex-PFL, além da referência moral, vem carregado de conservadorismo. O período pós-2002, com um partido de esquerda no poder, trouxe à cena um padrão UDN completo, com barba, cabelo e bigode: discurso moral, agressividade, anticomunismo e conservadorismo de costumes.

O partido mais udenista da política brasileira, o ex-PFL, hoje DEM, renovou quadros, pôs gente nova à frente da direção e o discurso continua o mesmo. Indio da Costa, o jovem vice-candidato do candidato a presidente pelo PSDB, José Serra, entrou no cenário nacional acusando o PT de ligação com a guerrilha colombiana, as Farc. Além de ser uma afirmação temerária, ela tem por objetivo provocar o velho anticomunismo que todo mundo supunha estar enterrado com o próprio comunismo, depois do fim da União Soviética. Mas isso é mais que um atavismo. É um discurso destinado a uma faixa do eleitorado conservador que rejeita ideologicamente o PT. PSDB e DEM embarcaram na retórica anticomunista para manter um eleitor que já é sua reserva de mercado.

O problema de adotar esse tipo de discurso é que isso provoca confusão de personagens e da história. Por essa retórica, estão a salvo do julgamento da história personagens que até hoje perambulam pela cena política, políticos gestados pela ditadura e que deram apoio ao governo autoritário que matou, torturou, censurou e cerceou os poderes do Legislativo e do Judiciário. Estão a salvo também os que se aliaram a eles - mesmo aqueles que, no passado, tiveram passagens pelos movimentos de resistência à ditadura. Como esse é um discurso maniqueista, traz, implícita ou explicitamente, a condenação àqueles que se opuseram ao regime. A anistia que esse pensamento conservador tanto defende para os agentes públicos que torturaram e mataram é negada aos que lutaram contra o regime militar e permaneceram à esquerda do espectro político depois da redemocratização.

Se a referência for a história, os três candidatos melhor colocados na disputa presidencial estão no mesmo barco. José Serra (PSDB) foi da Ação Popular, um racha da Juventude Universitária Católica (JUC) que flertou com o marxismo e, posteriormente, acabou se incorporando ao PCdoB - embora Serra não tenha se incorporado, ele próprio, à luta armada. Dilma Rousseff fez a opção pela luta armada contra a ditadura e cumpriu alguns anos de cadeia por isso, além de ter sido barbaramente torturada - e embora não tenha participado diretamente de nenhuma ação. Marina Silva militou no Partido Revolucionário Comunista (PRC), já no período em que a oposição havia abandonado a via armada como tática de contraposição ao regime.

Sem o viés conservador, essas informações são muito mais um sinal de que o país cumpre o seu destino democrático do que uma "denúncia". Graças a pessoas como Serra, Dilma e Marina, o país vive uma democracia. Graças a eles, em outubro acontecerá o primeiro turno das eleições presidenciais. Por causa da luta que eles participaram, alguém será eleito pelo voto direto e secreto. Pela ação de pessoas como eles, a imprensa terá plena liberdade para cobrir o pleito. Os candidatos poderão fazer comícios, ocupar as ruas e falar o que pensam nos palanques, no rádio e na TV.

A eleição de 2010 se deve àqueles que lutaram contra a ditadura, militando no partido de oposição permitido pelo regime, o MDB, ou nos partidos clandestinos que optaram ou não pela luta armada. Isso não é uma denúncia, é uma feliz constatação. O país agradece, comovido, a pessoas como o deputado José Aníbal (PSDB-SP), companheiro de Dilma na Polop; ao candidato ao Senado Aloysio Nunes (PSDB-SP), que militou na ALN; ao candidato ao governo do Rio, Fernando Gabeira (PV), que foi do MR-8. Aos ex-comunistas do velho Partidão, o PCB, organização que rejeitou a via armada - o governador Alberto Goldman (PSDB-SP), o ex-prefeito César Maia (DEM-RJ), o senador Arthur Virgílio Neto (PSDB-AM), o ex-deputado Roberto Freire (PPS-SP), entre tantos outros. Aos hoje petistas que vieram de organizações que optaram pelo confronto armado com a ditadura - José Genoíno (que participou da Guerrilha do Araguaia), José Dirceu, Fernando Pimentel, Marco Aurélio Garcia, Ricardo Zarattini, Rui Falcão, Franklin Martins, Carlos Minc, entre outros. E a outros que botaram a cara para bater mobilizando grandes contingentes de trabalhadores em greves que colocaram profundamente em xeque o regime autoritário - como o próprio presidente Lula.

Deve-se o presente a muitos, muitos mesmo, que hoje apoiam o governo ou estão na oposição, mas igualmente, e no mesmo momento, enfrentaram riscos, viram companheiros morrer, perderam amigos ou pessoas da família - e chegaram, juntos, ao momento em que a sociedade brasileira comemorou a democracia.

Em eleições, existe espaço para qualquer discurso ideológico. Isso é democracia. O que não convém é manipular a história, nem relativizá-la. Não são tantos anos que separam as eleições de 2010 dos movimentos pela democracia, onde muitos tucanos e petistas que hoje se batem estavam no mesmo barco.

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A grande imprensa e o nascimento do novo

Reproduzo artigo de Gilson Caroni, publicado no sítio Carta Maior:

Em pleno ano eleitoral de 2002, o governo submergia em sérios escândalos na área econômica. O presidente do Banco Central, Armínio Fraga, e o diretor de Política Monetária da mesma instituição, Luiz Fernando Figueiredo, eram acusados pelo presidente interino da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) de fazer lobby em favor das empresas de telefonia. Ambos teriam entregado à Câmara de Política Econômica, instância governamental, um texto preparado pela BCP, empresa que operava na banda B de telefonia celular em São Paulo. No documento eram recomendados aumentos de tarifas, mudanças contratuais beneficiando as operadoras e redução dos impostos que incidem sobre as contas dos consumidores.

Tinha mais. Havia sérias suspeitas de que técnicos de alto escalão do BNDES, do Tesouro Nacional, do Banco do Brasil e do Ministério da Fazenda fizeram uso de informações privilegiadas para compra e venda de ações do Banco do Brasil. Eram pessoas que trabalham nas mesmas instituições que desenharam o projeto de venda de 16,3% do capital do BB. O então ministro da Fazenda do governo FHC, Pedro Malan, mandou a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) investigar as acusações. O problema é que o órgão fiscalizador abriu sindicância para apurar denúncias de irregularidades de funcionários em processo de cisão nas áreas de petroquímica e de papel e celulose. Em suma, em tempos do império do cassino, o melhor a fazer era, tal como na música de Chico Buarque, "chamar o ladrão".

O que revelam os parágrafos acima? Um cenário tétrico. Um governo corrompido em setores-chave de formulação e execução de sua política econômica. O resultado lógico de instituições que se redefiniram para melhor servir ao receituário neoliberal. Não havia acidentes de percurso. A banca internacional e a degradação interna de autoridades e órgãos que se desviavam de suas funções republicanas não eram obra do acaso. A segunda era um desdobramento lógico da primeira. E não atingia apenas instâncias econômicas; levava de roldão uma imprensa que a tudo silenciava. Por convergência de princípios e por ser sócia do jogo.

Os fatos aqui relatados não são fruto de uma exaustiva investigação pessoal. Resultam da leitura de novas mídias, em complementação entre o impresso e o digital, que vieram para disputar a hegemonia no campo da produção e difusão de informação. Veículos como Caros Amigos, Carta Capital e Carta Maior, entre outros, noticiaram o que a imprensa oligarquizada tratou de jogar para debaixo do tapete. Os profissionais que militam nesses espaços, ao invés de seguirem conhecidas orientações editoriais, cumpriram, já naquele pleito, a função básica de fiscalizar os poder público e estabelecer a construção de dispositivos contra-hegemônicos.

Por excelência, sempre denunciaram as malfeitorias do consórcio demo-tucano com amparo em sólido trabalho investigativo, tarefa irrenunciável de um jornalismo preocupado em atender os interesses dos novos sujeitos emergentes e dos movimentos sociais organizados.

Hoje, passados oito anos, vemos surgir novas formas de produção comunicativa que não se deixam submeter a outro imperativo que não seja o interesse do leitor. Nadando contra a corrente de uma imprensa de mercado e antinacionalista, não recusam os princípios que fundamentam a liberdade de imprensa, assegurada em qualquer regime democrático. O pluralismo está assegurado na cobertura dos fatos, no respeito ao contraditório e nos mais variados matizes ideológicos de seus colaboradores e articulistas.

Como veículos de cidadania, não se prestam a agenciamentos de interesses escusos, a distorções da realidade, infamando, como fazem as corporações, quem consideram adversários políticos. É bela a aula de jornalismo dada por espaços que se multiplicam com o surgimento de um governo comprometido com a luta da classe trabalhadora. Que mantêm na credibilidade, independente do formato, sua identidade central. Reafirmam o que disse, já há algum tempo, o jornalista Washington Novaes: "jornalismo não é profissão a ser exercida em nome próprio, mas por delegação da sociedade, a quem legitimamente pertence a informação.”

Se a imprensa tradicional está desfigurada, reduzida à condição de boletim de campanha, com fanfarras eleitorais semeadas em praticamente todas as páginas, um fazer jornalístico alternativo, próprio dos que resistem , ameaça a sua até então granítica hegemonia. As eleições de outubro talvez venham a ser o divisor de águas do campo comunicativo. Fruto da massa crítica acumulada, o novo pode enfim nascer. E virá como desconcertante reconquista do futuro.

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Mídia protege terrorista da Venezuela

A desarticulação de uma conspiração golpista na Venezuela tem sido o motivo da nova ofensiva midiática contra o governo de Hugo Chávez. No Jornal Nacional, o âncora Alexandre Garcia, ex-assessor de imprensa do ditador João Batista Figueiredo, fez seu estardalhaço com a detenção de “um dos líderes da oposição venezuelana”. Já o Estadão, que festejou o frustrado golpe de abril de 2002 no país vizinho, estampou a manchete: “Caracas prende e acusa outro opositor”.

Em quase todos os veículos, a notícia foi embalada na mentira de que não existe democracia na Venezuela e de que o presidente Hugo Chávez – que já passou pela prova do voto por doze vezes – é um ditador, um facínora. A imprensa teleguiada pelo Departamento de Estado dos EUA só não esclarece quem é o tal opositor e quais os motivos da sua prisão. Alexandre Peña Esclusa, o novo herói da mídia, é um provocador, detido por seu envolvimento direto numa trama golpista.

O bando de Carrilles, agente da CIA

Há poucas semanas, o serviço de inteligência venezuelano desmontou um esquema terrorista que visava tumultuar as eleições de setembro próximo no país. A polícia capturou Francisco Abarca, um terrorista procurado pela Interpol por pertencer ao bando de Luis Posada Carrilles – o famoso agente da CIA, mentor da derrubada de um avião cubano, em 1976, que resultou na morte de 73 pessoas – e que hoje vive livremente em Miami. Em 1977, Abarca recrutou os mercenários que explodiram quatro bombas em Havana, matando um turista italiano.

O notório terrorista foi preso pela polícia venezuelana tentando ingressar no país com identidade falsa. Num vídeo, ele confessou estar organizando um novo ataque, desta vez para desestabilizar as eleições no país. Ele também dedurou a polícia alguns de seus comparsas, inclusive Alejandro Peña Esclusa. Inexpressivo candidato à presidência em 1998, quando teve 0,04% dos votos, este sujeito é um conhecido golpista na Venezuela. Na sua residência, a polícia encontrou explosivos, detonadores e farta munição. O terrorista Alejandro Peña Esclusa tem uma longa ficha corrida:

A ficha corrida de Alejandro Esclusa

- Integrante do grupo extremista Tradição, Família e Propriedade (TFP), há suspeita sobre o seu envolvimento num plano de atentado ao Papa João Paulo II durante sua visita à Venezuela;

- Em 2008, ele criou na Colômbia a ONG UnoAmerica, que financiou a campanha do candidato da Arena, partido da extrema direita, nas eleições de 2009 em El Salvador;

- Esclusa participou ativamente da tentativa de golpe contra Chávez em abril de 2002, insuflando os violentos confrontos com a polícia e a destruição de prédios públicos;

- Ele também foi conselheiro dos golpistas em Honduras, em junho de 2009, sendo condecorado pelo chefe dos conspiradores Roberto Micheletti – como comprovam vários vídeos no Youtube.

Seus vínculos com organizações terroristas são notórios, inclusive com os grupos paramilitares da Colômbia. Apesar desta ficha corrida, a mídia colonizada tenta transformá-lo num “opositor”, vítima do “ditador Hugo Chávez”. O pitbul da Veja, Reinaldo Azevedo, chegou a escrever: “Já estive num debate com Esclusa em 2005 ou 2006, não tenho certeza. É um homem inteligente, cordial, convicto. Nada em seu discurso ou em sua prática sugere flerte longínquo com o terror”. Realmente, a mídia golpista brasileira continua “flertando” com o terror fascista e o golpismo.

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